"Uma vez um senhor me parou na rua dizendo que eu tinha que mudar minhas roupas"
- Daiane Guimarães Cruvinel
- 30 de nov. de 2020
- 5 min de leitura
Meu nome é Gabriela Silva Goulart, tenho 22 anos e atualmente eu moro na Argentina e estudo pré-medicina na Universidade Adventista del Plata (UAP).
Sobre a minha letrinha na sigla eu escolho o L (lésbica), mas tem dia que eu acho que é a B (bissexual). Não deveria ser um problema eu não conseguir me rotular, certo? (CERTÍSSIMA!)
Eu na verdade escondia desde os 15 anos algumas poucas experiências que eu tive, mas com 17 anos meus pais descobriram a minha primeira relação amorosa com uma garota. Eu estudava em um colégio interno adventista chamado (Unasp) em São Paulo. A instituição é completamente contra qualquer coisa relacionada à LGBTQIA+, por ser religiosa. Se algo viesse à tona isso causaria a minha expulsão do colégio.
Eu nasci em berço cristão adventista, minha família inteira é muito religiosa. Logo que eu percebi dentro de mim o que eu era, que eu entendi que minha vida não seria fácil, que eu me assumi para mim mesma e decidi lutar pela minha felicidade, eu imaginei que teria minha família futuramente, mas que não teria relação alguma com meus pais. Na minha cabeça eles jamais aceitariam principalmente pela igreja.
Meus pais tentaram esconder minha orientação do restante da família depois que eu me assumi para eles. Então tudo sempre foi muito escondido. Assim que meus pais descobriram, eles na verdade lidaram como se fosse uma fase passageira e que logo tudo voltaria a ser como antes. Eles praticamente “empurraram para debaixo do tapete” essa história. Eu escondi tudo o quanto eu pude, e com 19 anos eu tive um confronto decisivo e bem pesado com meus pais. Nessa época eu tive que sair de casa.
Mas quando eu saí de casa, a família toda queria saber o motivo e tudo veio à tona. Foi muito difícil conquistar um espaço na minha família ao ponto de conseguir convencê-los a conhecer alguma namorada.
Hoje em dia as coisas estão mais tranquilas com meus pais e aos poucos eu vou entendendo o melhor jeito de lidar com eles. Eu realmente entendo que eles são de outra geração e que é difícil lidar com algo tão fora do que eles planejaram para mim. E meus pais sempre foram muito participativos e envolvidos com atividades e eventos da igreja, por conta disso muitos membros da igreja se sentiam no direito ou na intimidade (que não existia) de fazer comentários ao meu respeito, que para meus pais era difícil de escutar, porque estavam falando sobre um filho.
Sobre os meus amigos, eu fui me assumindo aos poucos com quem eu me sentia confortável em fazer isso. Tive amigos que lidaram muito melhor que outros, mas ninguém importante se afastou de mim por esse motivo.
Sobre o preconceito, quem nunca passou por nada do tipo com certeza é um privilegiado. Já passei por várias situações constrangedoras, tanto sozinha quanto acompanhada. Depois de um tempo mais confiante fui buscando o visual que eu me sentia mais confortável. Então eu cortei meu cabelo curto, comecei a me permitir comprar roupas que eu me identificasse mais. Isso foi um choque para muita gente. As pessoas começaram a me olhar feio porque aparentemente eu estava me vestindo como um menino. Uma vez um senhor me parou na rua dizendo que eu tinha que mudar minhas roupas, que ele só tinha percebido que eu era mulher quando eu falei com ele e que isso não era certo (sim um desconhecido falou isso).
O ambiente estudantil, é bastante propício ao preconceito, na verdade. A cabeça de uma criança de 10-14 anos (as vezes até mais velhas), é um querendo ser melhor do que o outro, querendo ter mais do que o outro, buscando fraquezas um no outro. Se você tem um estilo que não condiz com o meio, se você é diferente, se você tem alguma característica que de algum jeito pode virar piada, normalmente vira. Comigo não foi diferente, sempre fui uma pessoa muito atlética, jogava de tudo e normalmente era com os meninos. Já recebi inúmeros apelidos e ouvi muita coisa pesada por estar me portando de uma maneira “masculina”.
Eu passei por três faculdades/cursos para estar onde eu estou hoje, em nenhuma delas eu senti medo de ser quem eu sou. A minha atual, apesar de religiosa, não tem mais um poder opressor sobre mim como no ensino médio. Toda essa trajetória, conhecendo pessoas, me identificando com elas, superando situações me tornou uma pessoa mais confiante.
Nas redes sociais me exponho muito menos do que eu gostaria, mais por conta da minha família do que por qualquer grupo de amigos ou pessoas aleatórias que me conheceram na igreja. Nunca fui atacada na internet por conta da minha orientação sexual. Até porque não sou uma pessoa pública cheia de “haters”. E também como eu falei, deixo de expor muitas coisas. Mas sim, eu me posiciono perante muitos temas que considero importantes. Já fui confrontada em vários casos, mas com sensatez todos podem ter seu próprio ponto de vista e opinião. Isso é algo pessoal, ninguém é obrigado a concordar, somente respeitar.
Como mulher, você já foi assediada em alguma festa ou local publico por ser da comunidade quando estava com alguma namorada ou acompanhante? Como você lida com a hipersexualização da mulher lésbica? Os héteros costumam te incomodar?
É impressionante a capacidade de um homem invalidar a relação entre duas mulheres. Como se ele sentisse que é completamente necessário e que uma mulher seria incapaz de ocupar o espaço dele dentro de uma relação. Como se nós não pudéssemos ser levadas a sério. Eu já fui abordada por um homem pedindo beijo triplo, ou que eu beijasse minha namorada na frente dele, ou que déssemos beijo nas bochechas dele. Várias situações constrangedoras.
Atualmente eu não moro mais no Brasil e com certeza sinto que aqui tenho mais liberdade. Eu faço as coisas como eu entendo por correto e não estar convivendo diariamente com a minha família, alivia a situação. Eu vivo em uma cidade pequena e muito envolvida com religião. Apesar de viver minha vida sem precisar dar muitas satisfações, ainda não me sinto à vontade para, por exemplo, andar de mãos dadas na rua com uma menina. Eu praticamente caminho por aí sem olhar para o rosto das pessoas, porque no início os olhares me incomodavam muito. Caminhar olhando pra baixo acabou se tornando uma maneira de evitar constrangimentos.
Comentário da escritora: a Goulart era minha atleta de elite, minha professora no basquete, a rainha da peteca, dona dos gols, das cestas, da responsabilidade. Ela era de loonge uma das criaturas mais lindas que vagavam pelos corredores da PUC, fora esse sorriso que sempre estava com ela e tinha o poder de acalmar toda e qualquer pessoa que conversasse com ela. O bom humor, a alegria, estavam ali sempre, e eu fiquei realmente surpresa ao conhecer a história dela. Amiga, saudades de conviver com você. Queria dizer que estou imensamente feliz por você ter compartilhado comigo a sua história. O mundo sempre foi seu, você sempre vai ser motivo de orgulho para qualquer pessoa com sensatez. Levanta essa cabeça e sorria, o mundo precisa ver seu sorriso. Não deixe que ninguém te deixe constrangida, porque caso alguém se incomode, deve ser esse alguém a abaixar a cabeça. Sdds amore, qualquer dia apareço na Argentina pra te aplaudir. Torço por você desde sempre!! Ah, e você é muito linda pra eu escolher uma foto só, coloquei todas haha ❤️
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