"Até os 14 anos eu era bastante hétero e preconceituosa, especialmente com as lésbicas"
- Daiane Guimarães Cruvinel
- 18 de nov. de 2020
- 4 min de leitura
Meu nome é Priscilla Nathani, tenho 27 anos, sou lésbica e estudo Direito da Faculdade Universo.

Eu sempre fui uma adolescente bem precoce, sempre tive liberdade para sair e para fazer o que eu quisesse. Eu tive meu primeiro beijo com 11 anos, com um garoto da escola, sempre joguei futebol, desde os 6/7 anos e creio que por sempre ouvir piadinhas machistas de que futebol é esporte pra homem, de que se eu jogava futebol, então eu gostava era de mulher, eu criei um preconceito interno em relação as mulheres que se interessavam por mulheres. Então até os 14 anos eu era bastante hétero e preconceituosa, especialmente com as lésbicas.
Nessa época eu e minha melhor amiga conhecemos uma mulher mais velha e nos tornamos amigas dela, ela tinha uns 26 anos, eu acho. A gente mantinha contato com ela sempre e em um dia de conversa ela apostou com a gente, qual de nós duas teria coragem de beijar a outra primeiro. Nós aceitamos a aposta e o tempo foi passando e ela cobrando o resultado dessa aposta.
Em um belo dia, essa minha amiga me empurrou na cama e me deu um beijo (ou seja, ela ganhou a aposta). Eu achei péssimo a sensação de beijar minha melhor amiga, maaaas algumas garotas começaram a dar em cima de mim e eu fiquei curiosa para ver se tinha achado ruim por ela ser minha melhor amiga ou se foi por eu ter realmente beijado uma mulher. Então fiquei com outras garotas e continuei ficando por diversão (analisando hoje, eu ficava porque gostava mesmo e falar que era por diversão era uma forma de inventar uma desculpa por eu ser alguém que antes eu criticava, e também por não entender direito ainda).
Até que um dia eu apaixonei de verdade por uma garota que me iludiu muito. Como eu era muito nova e essa foi a minha primeira paixãozinha, eu fazia algumas loucuras, como fugir de casa pra ir pra porta da casa dela. Nesses acontecimentos, minha mãe acabou descobrindo, não precisei contar. Depois disso eu só ficava com garotas. Então me assumi lésbica entre os 14 e 15 anos, quando eu estava no 9º ano do Ensino Fundamental.
Foi beeeeeem dificil quando minha família descobriu. Minha família toda é da igreja evangélica, então é bem complicado até hoje pra eles. A minha mãe é a mais tranquila, sempre foi, eu sempre contei tudo pra ela, ela sempre foi bastante compreensiva comigo. Na escola era tranquilo, porque eu estudava no meu setor, então conhecia todo mundo, parecia que quem mandava na escola era a gente, as lésbicas.
Ninguém se afastou de mim, mas no início eu tive bastante receio de contar para os meus amigos héteros, porque eu só andava com o pessoal do setor e todos eram heterossexuais. Então fiquei bastante tempo calada, sem falar nada sobre o assunto.
Quando eu fiz 19 anos, tive a curiosidade de ter uma relação sexual com homem e foi horrível, eu estava bêbada, nem lembro como foi, mas nunca mais tive coragem e vontade de me relacionar com homem.
Algumas vezes já sofri preconceito de quem eu não conhecia, não é uma coisa com a qual deveríamos nos acostumar, mas acostumei a ouvir piadinhas de pessoas que nem me conhecem. O importante é não absorver para manter a saúde mental intacta. Na faculdade já observei muita gente olhando quando eu abraçava minha namorada, alguns olhares de julgamento, mas nunca ouvi nada de ninguém.
Nunca me senti excluída de algum grupo por ser LGBT, sempre fui muito extrovertida e sempre me dei bem com as pessoas. Mas muitas vezes eu me sentia excluída, porque eu mesmo fazia isso comigo, eu me excluía por achar que as pessoas estavam olhando "torto", pode ser que tenha acontecido, mas preferi e prefiro pensar que era coisa da minha cabeça.
As minhas redes sociais são tranquilas, eu posto o que quero em relação a qualquer coisa. Não tenho medo de prejudicar meu futuro profissional, nem minhas amizades. Eu tenho bastante respeito pela minha família e pela família da minha namorada, mas fora isso, não me importo mais com o restante.
Diretamente eu nunca sofri preconceito na internet, mas vejo muitas pessoas da comunidade sendo atacadas frequentemente, muitas vezes sinto como se fosse para mim também, porque estamos no mesmo barco. Eu acho muito importante a gente se posicionar, porque a sociedade ainda é muito machista, muito preconceituosa, então temos que abrir a nossa boca e nos defender, nos posicionar, para que cada vez mais sejamos respeitados e compreendidos.
Em todos os lugares que eu vou, eu sou assediada por estar acompanhada de outra mulher. Não tem exceção, em todas as festas, seja festa "chique" ou festa "perrengue". Os homens héteros (não generalizando) não entendem que relação homossexual é a mesma coisa de uma relação heterossexual, pois existe sentimento, existe amor, existe companheirismo, existem sonhos, objetivos e metas. Mas muitos acham que é uma relação bagunçada, que é brincadeira, ou que estamos ali só para satisfazer os desejos sexuais deles.
Já ouvi vários comentários do tipo: "Você é lésbica porque não achou o cara certo"; "Você gosta de mulher porque nenhum cara te deu uma pegada de jeito"; "Arruma uma amiga e vamos transar nós três"; "Deixa eu te comer pra ver se você não conserta"; "Deixa eu participar?"; " Duvido você continuar gostando de mulher depois que a gente transar"; "Tenho uma tara em mulher beijando mulher, beija pra eu ver?"; "Prova que você é lésbica"; "Você é assim, porque você deve ter sofrido por um moleque"; "Seu pai deveria te obrigar a ficar com homem"; "Queria te mostrar o que é bom de verdade ", e milhaaares de outros comentários, é difícil até de listar. Comentário da escritora: conheci a Pri na faculdade, mais especificamente dentro das quadras e do campo de futebol. Esse mulherão joga demaaaaais e mete medo até na torcida kkkk é puro talento. Priscilla é mais velha e um dia eu tive a oportunidade de conhecer a mãe dela e entendi de onde saiu essa mulher tão incrível. Estou com saudades miga, de te ver jogando e de ficar horas batendo papo. Eu tinha uma admiração por você, e depois dessa entrevista eu conheci a sua história, conheci seus medos e só posso dizer que agora sou ainda mais sua fã! O mundo um dia vai se tornar digno de pessoas como você ❤️
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