ENTREVISTA COMPLETA - João Índio
- Daiane Guimarães Cruvinel
- 28 de nov. de 2020
- 11 min de leitura

Meu nome é João Oliveira Souza. Desde o ventre materno sou católico. Toda minha vida participei da vida e da fé cristã católica. Fui membro da Companhia de Jesus (Jesuíta) entre os anos 1976-1988. Fui ordenado sacerdote, dia 28 de dezembro de 1985, deixei de exercer o Ministério sacerdotal dia 1º de janeiro de 1989.
1. Quando se tornou professor de Teologia? O que o curso de Teologia mudou na sua vida?
- Não sou professor de Teologia nos Centros de Formação (Seminários) católico ou evangélico. Trabalho na PUC Goiás, desde abril de 1988. Sempre tenho trabalhado nas disciplinas de Teologia nas Áreas dos cursos de Graduação.
O curso de Teologia mudou sim, a minha vida. Sempre tive (e ainda tenho) um ardente desejo de alcançar a maturidade na fé cristã. Fiz o bacharelado de Teologia no Centro de Estudos Superiores, da Companhia de Jesus, em Belo Horizonte. Na ocasião (1982-1986) recebemos a formação teológica, tendo em vista a Teologia da Libertação (TdL) e a partir desta TdL é que estudamos a história, a antropologia, as doutrinas, a moral, a ética e outros aspectos da teologia escolástica da Igreja Católica. Pra mim foi um curso que orientou e me educou para aprender e estudar outras formas de teologias, aquelas diferentes da tradição católica apostólica romana.
2. Como a diversidade sexual está colocada pelas diversas entidades religiosas?
- Você quer dizer, pelas diversas instituições religiosas? Eu vejo que a diversidade sexual, é colocada de forma tranquila e normal entre as instituições religiosas. O que é complicado entre algumas entidades religiosas, seja qual for a religião, é o rigor moralista. Daí engessa as doutrinas, voltando para o cumprimento rigoroso delas, ignorando o dinamismo da realidade e das mudanças na vida humana. Surgindo assim os fundamentalismos e o fanatismo religiosos, que geram o preconceito, que geram a não aceitação daquilo que é diferente, que geram o ódio, que geram as brigas e as guerras.
3. O que é mais recorrente em relação à sexualidade nos discursos das lideranças religiosas?
- De modo geral, é comum ouvir das lideranças religiosas, tanto os presbíteros e presbíteras, quanto às lideranças religiosas laicas – “Eu aceito sua opção sexual”. Como que, ser homo ou hétero é uma opção? Não sei agora como é que o tema da sexualidade e homossexualidade é estudada e orientada nos Centros de formação dos futuros padres católicos. Naquela época (1982-1986) em que estudei Teologia era tranquilo. Tínhamos professoras mulheres, estudantes mulheres e muita participação nos movimentos populares, acho que isto tudo contribuiu na nossa formação religiosa, frente à diversidade sexual.
4. Qual o seu posicionamento sobre a exclusão dos LGBTs de determinados ambientes religiosos por parte da instituição Igreja por conta de suas respectivas orientações sexuais?
- Acho horrível, pecaminoso até. Essa atitude é anti-cristã. Jesus Cristo foi judeu e viveu num ambiente social e político machista; viveu numa sociedade em que a religião era marcadamente patriarcal e legalista, Jesus era um autêntico judeu, um zelote, isto é, foi alguém que zelou rigorosamente Deus. Contudo, ensinou a misericórdia, acolhida, questionou os dogmas e doutrinas da época que oprimia e marginalizava o pobre, o empobrecido, os doentes e deficientes físicos, a mulher e a criança, enfim, todos os marginalizados pela sociedade e pelas leis religiosas.
5. Qual a sua opinião sobre os diversos posicionamentos que o Papa Francisco faz sobre a Comunidade LGBTQIA+?
- Excelente. Os posicionamentos do Papa Francisco nos mostram a ação do Espirito Santo em nossa realidade hoje. Veja a frase do Papa Francisco, ao se referir à Comunidade LGBTQIA+ - "Se estivéssemos convencidos de que eles são filhos de Deus, as coisas mudariam muito". Muitos cristãos ainda acham que são filhos de Deus só aqueles que são batizados e aceitam Jesus, do jeito que eles acham que deve ser. Atualmente muitos cristãos católicos e evangélicos praticam o que a Igreja Católica Apostólica Romana fez no sec. III com o axioma “Extra Eccleiam Nulla Salus” fora da Igreja não há salvação. Não vamos aqui falar agora das diferentes interpretações dessa posição da Igreja no séc. III e nem das interpretações e aplicações desse axioma ao longo da história. Mas eu lembro deste axioma agora para dizer do exclusivismo que muitos cristãos acham que são os únicos Filhos da Promessa, que são os únicos Embaixadores da Palavra de Deus, colocando-se como “proprietários” da Ação do Espirito Santo. Por isso o Papa Francisco nos lembra, que muitos cristãos ou pseudos cristãos não veem a Comunidade LGBTQIA+ como Filhos de Deus.
Segundo o artigo de Robert Shine, traduzido por Natália Froner dos Santos e publicado na revista IHU online, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo-RS, em 03/06/2019, o Papa Francisco, acredita que “as coisas mudariam muito” se os católicos parassem de ver as pessoas LGBTQ+ como “irregulares”. Por outro lado, ele afirma que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma “incongruência”. Embora não deva haver divisão entre o pastoral, a ação da igreja e o doutrinal. “As contínuas reações mistas do Papa personificam a situação insustentável em que se encontra a Igreja Católica quando se trata de questões LGBT. Por quanto tempo os impulsos pastorais podem ser inclusivos, dificultados pela necessidade de ser ‘conservadores’ e defender doutrinas cada vez mais rejeitadas pelo Povo de Deus”, acrescenta Robert Shine.
6. Para o senhor o Brasil finge que é um Estado laico, principalmente em relação aos LGBTs?
- De modo geral, sim. Sem dúvida. Há poucas comunidades religiosas cristãs no Brasil que acolhem seus crentes LGBTs. Existem paróquias católicas, padres e freiras que acolhem e incluem os cristãos LGBTs, mas não são todas. Tenho um casal de Amigos Homo em Goiânia que frequentam e trabalham pastoralmente numa paróquia da Igreja Católica.
Outras comunidades religiosas acolhem, respeitam, mas não incentivam o engajamento pastoral.
A recente declaração do Papa Francisco sobre o casamento entre as pessoas com relação homoafetiva, retomou a discussão, sobre o espaço da participação dos católicos LGBTs.
Podemos ver isso no material jornalístico Estadão: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasileiros-lgbt-tentam-ganhar-espaco-na-igreja-catolica,70003488654
Há algumas lideranças evangélicas no Brasil, que se comportam de maneira truculenta e anti-cristã diante dos cristãos LGBTs. Mas já existem igrejas cristãs tanto evangélicas quanto católicas que recebem o Orgulho Gay: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasileiros-lgbt-tentam-ganhar-espaco-na-igreja-catolica,70003488654.
7. Qual a diferença no tratamento da pauta LGBT pelas religiões: católica, evangélica e espírita? Tem embasamento as leis que a maioria dos líderes religiosos pregam em seus diferentes ensinamentos?
- Tenho poucos dados e informações sobre essa diferença no tratamento entre as diferentes igrejas. Depende muito do local em que a Igreja está inserida. Acredito que nos Estados em que as Comunidades LGBT tem maior visibilidade e aceitação, ali o engajamento religioso e espiritual é maior. Embasamento nas leis religiosas? Tem sim. Cada instituição religiosa tem suas orientações e exigências. Por exemplo, na Igreja Católica, como em outras religiões, tem o voto da castidade. Em relação às Sagradas Escrituras, tem textos bíblicos que dão esta sustentabilidade nas interpretações que as igrejas cristãs fazem sobre as relações homoafetivas. Acontece que muitas lideranças religiosas interpretam os textos bíblicos, a partir do fundamentalismo religioso e da sua visão, da sua ideologia e do seu preconceito.
8. É dito que em religiões de matriz afro, como umbanda e candomblé, a diversidade sexual é bem mais aceita. Isto é uma verdade?
- As noções e a prática de moral trazidas pela Igreja Católica quando houve a “descoberta” do Brasil, vieram de uma cultura enraizada nos princípios judaico-cristãos, herdada da Europa que deram origem a esta forma de lidar com a sexualidade, consentindo o casamento entre homem e mulher, constituindo aí o único modelo de família, tido como correto.
Segundo R.F. Silva “SEED”, em seu texto – O Babado do Xirê e da Gira: Gênero e Diversidade Sexual nas Religiões Afro-Brasileiras – Educere, 2013 PUC-Pr:
“Criou-se uma lógica simples, mal fundamentada de que o sexo só pode ser concebido para gerar filhos, onde o prazer e as paixões são consideradas como pecado. Até hoje, esta mesma regra é válida, tanto para homossexuais como para heterossexuais com o mesmo peso de pecado, mas a sociedade hipócrita condena apenas os atos sexuais cometidos entre pessoas do mesmo sexo.”
Há vários estudos e pesquisas que mostram que o relacionamento entre a homossexualidade e a religião varia de um lugar para outro e de época. Nem todas as religiões condenam abertamente a homossexualidade.
No Brasil, a homossexualidade é debatida entre as algumas lideranças e comunidades religiosas. Vemos de modo particular apenas no Espiritismo Kardecista, na Umbanda e no Candomblé, que acreditam na reencarnação (e que o espírito não tem forma nem sexo), conseguirem tratar essa questão de forma mais simples e gratuita.
Podemos afirmar que a maioria das igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais, são contra a homossexualidade. Alguns líderes dessas igrejas fundamentalistas, até de expressão nacional e que se dizem Apóstolos do Evangelho de Jesus Cristo e, lideranças políticas, muitos deles, para mim, são pseudo cristãos, que defendem a “família tradicional”, consideram a homossexualidade uma aberração, uma doença que pode ser tratada, uma opção que a pessoa inútil faz e até mesmo atribui à ação demoníaca. A maioria dos evangélicos são contra a união estável e adoção de crianças por casais do mesmo sexo.
Ainda me apoiando no artigo de R.F. Silva “SEED”, retornando à sua questão, concluo:
"Nesse contexto, há dezenas de anos, temos os terreiros de Umbanda e Candomblé no Brasil, que trabalham bem com as questões relacionadas à sexualidade. Por este motivo, vem sendo vítimas de mais uma perseguição preconceituosa, a de que toda/o sacerdotisa/e de Umbanda e Candomblé é lésbica, gay, travesti ou transexual.”
Segundo a antropóloga americana Ruth Landes, em sua obra A cidade das mulheres, as mulheres e homossexuais são os que mais bem se adaptam as religiões afro-brasileiras. LANDES, Ruth. A cidade das Mulheres. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. Publicado originalmente em 1947.
9. Atualmente observa-se um crescimento no número de igrejas mais “inclusivas”, vemos sempre os posicionamentos em prol da liberdade LGBT por diversos líderes religiosos, enfim, como esses acontecimentos são explicados quando contrastados com a extrema exclusão que muitas instituições praticam contra a comunidade LGBT? Qual é o equilíbrio? Deus aceita ou não os LGBTs? Está ou não na Bíblia que tudo que seja alheio a união heteroafetiva é pecado? E por fim, qual a opinião do senhor como ex-padre, como teólogo e como professor sobre todas essas discussões?
- Primeiramente tem que entender com o nosso coração que Deus não é propriedade privada de qualquer religião. Segundo, é tão natural se referir a Deus como O Senhor, Pai Nosso, O Transcendente, o Imutável, o Inefável, sempre no sexo masculino, que muitas pessoas jamais pararam para pensar e refletir sobre as razões de classificarmos a divindade com esse gênero, por mais que, não tenhamos um termo para definir O Criador. Deus não tem gênero.
Deus aceita ou não os LGBTs? Sim, sem dúvida. Nas diferentes Teologias, apontam que somos Criaturas de Deus.
“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus”.. Gênesis 1:26,27.
A religião é uma instituição criada por homens e mulheres, por isso a religião exclui ou acolhe as pessoas, de acordo com suas normas e regras.
Se está na bíblia o pecado da união homoafetiva? Apenas dois versículos em toda a Bíblia Hebraica tratam de maneira explicita da homossexualidade:
Levitico 18,22: “Nenhum homem deverá ter relações com outro homem; Deus detesta isso”. Levitico 20,13: “Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação”.
Nos Evangelhos, Novo Testamento, Jesus não ensina nem condena nada, dessa relação homoafetiva. Jesus Cristo não criou nenhuma religião, Ele anunciava o Reino de Deus. Contudo, o que a Bíblia diz de forma explicita é que realizarmos atos sexuais com pessoas do mesmo sexo, ter um comportamento homossexual é pecado.
Como apontei antes, no Levitico encontramos que o homem não deve ter relação com outro homem como se fosse mulher. Na carta ao Romanos 1,27, Paulo fala sobre a mudança dos relacionamentos homem e mulher. Na primeira carta aos Coríntios, capitulo 6 e na carta que ele escreve ao amigo Timóteo, Paulo aponta uma “lista” de pecados.
Doutro lado nós encontramos na Bíblia, mais ensinamentos sobre a misericórdia e o amor de Deus; Jesus Cristo ensina sobre o Reino de Deus, Paulo ensina que pelo batismo, os cristãos se tornaram irmão em Cristo e participam da mesma esperança do Reino (1 Cor.6,1-11).
Não sou teólogo, só tenho bacharelado em teologia. Eu creio que, é fundamental para os cristãos assumirem e pregarem o que Jesus ensinou no Sermão da Montanha, que é um resumo de todo ensinamento de Jesus. Está no Evangelho de Mateus, capítulos 5 ao 7. Esse deveria ser o Projeto de Vida de todas igrejas cristãs, Teólogos e professores de Teologia, Padres, Bispos e Arcebispos, Apóstolos e líderes políticos que colocam “Deus Acima de Tudo”. Ali Jesus Cristo ensina a respeito do Reino e da transformação que esse Reino produz e, que leva à Libertação do Ser Humano.
Eu acho que muitos cristãos condenam os LGBTs por causa das interpretações DA Bíblia e não por causa dos ensinamentos que estão NA Bíblia. Existem pessoas que são contrárias ao casamento gay, com base em passagens da Bíblia, embora não aparece que o próprio Jesus Cristo disse alguma coisa sobre o matrimônio entre duas pessoas do mesmo sexo.
10. O pensamento conservador é uma forma de preconceito? Qual a diferença entre o pensamento religiosos e o pensamento conservador?
- Existe um conceito de conservadorismo? É complicado responder isso. Mas podemos dizer, que há uma crescente presença do discurso conservador em nossa atual sociedade, nas igrejas e nos Centros de Estudos e a sua relação com as práticas homofóbicas, que estruturam a base de argumentação de muitas lideranças políticas, religiosas e educacionais. Nisso deparamos com o complexo problema da laicidade nos diferentes níveis da nossa sociedade brasileira.
Eu não saberia responder plenamente estas duas perguntas. De todo modo, é possível dizer algumas características fundamentais do pensamento conservador ocidental. Sabemos que o conservadorismo tem como principais valores a liberdade e a ordem, especialmente a liberdade política, econômica, religiosa, a ordem social e moral. O pensamento conservador, presente também na religião acredita que há uma ordem moral duradoura e transcendente, no nosso caso ocidental, é baseada na doutrina cristã e tem na religião a sua base.
Concluindo, o Papa Francisco na sua última encíclica social Frateelli tutti – Todos irmãos – rejeita o atual modo de viver aqui na Terra, ele afirma “Se alguém pensa que se trata apenas de fazer funcionar o que fazíamos, ou que a única lição a tirar é que devemos melhorar os sistemas e regras já existentes, está negando a realidade” (n.7).
Com isso o Papa Francisco está nos dizendo diretamente que temos que ver os novos ensinamentos com a razão e com o coração, “que é uma ilusão enganadora, pensar que podemos ser onipotentes e esquecer que nos encontramos todos no mesmo barco” (n.30).
E adverte: “ninguém se salva sozinho, só é possível salvar-nos juntos (n.32). Por isso que no final de outubro 2020, o Papa Francisco vai afirmar “Ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”.
Com poucas palavras e simples, ele nos chama para o essencial de uma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas independente da sua proximidade física, sexo e raça, religião e crenças, de onde nascemos ou habitamos.
Sejamos Todos Irmãos.
"Axé! 20 novembro 2020. João índio.
Obrigado."
Comentário da escritora: Eu não tenho palavras para descrever o quanto foi gratificante poder aprender, durante este último semestre, algumas coisas que João se dispôs a ensinar. Ele é meu professor de Teologia e eu confesso, assim como confessei para ele no primeiro dia da disciplina, que eu tinha um grande medo de me frustrar com a matéria de Teologia. Baseada em relatos de amigos, acadêmicos de outros cursos, que criticaram os posicionamentos dos professores que tiveram a frente da Teologia quando fizeram a matéria, eu esperava uma aula repleta de dogmas, de preconceitos e intolerâncias. Portanto me surpreendi com o profissional que eu dei a sorte de ter como professor, e que hoje chamo de amigo.
João eu te agradeço pela extrema educação, paciência e comprometimento, tanto com a disciplina quanto com cada um dos alunos que estão na sua matéria. Igual mencionei para o senhor durante nossas conversas no WhatsApp, essa matéria me ensinou coisas que não consegui aprender em toda a minha tragetória como católica e te agradeço também por topar falar sobre um assunto tão importante e complexo. Desejo apenas coisas incríveis para o senhor e para sua família! Fica aqui a gratidão de sua aluna e amiga.
Att. Daiane Guimarães Cruuvinel
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