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"Quando entendemos quem nós somos, ninguém mais pode determinar o que devemos ser"

  • Foto do escritor: Daiane Guimarães Cruvinel
    Daiane Guimarães Cruvinel
  • 28 de nov. de 2020
  • 7 min de leitura

Meu nome é Henrique Oliveira Dias, tenho 19 anos, curso Psicologia na PUC Goiás e sou gay.

Imagem por: Henrique Dias

Eu tinha 15 anos quando me assumi e estava no primeiro ano do ensino médio. Minha família a princípio não reagiu bem por sermos uma família cristã, conservadora, uma família de princípios, religiosa e que estipulou algumas leis que jamais poderiam ser quebradas, mas eles também não foram intolerantes e ignorantes ao ponto de me com frases do tipo: “vou te expulsar de casa, você é uma vergonha, você não é mais meu filho”. De alguma maneira e do jeito deles, eles sempre respeitaram isso em mim.


A primeira reação deles foi determinar que o que eu quisesse fazer da minha vida fora de casa eu poderia fazer, mas assim que eu chegasse em casa eu não poderia trazer tudo isso para dentro. Por exemplo, eu não poderia levar uma pessoa que eu estivesse me relacionando para dentro da nossa casa, porque eles não queriam se envolver nisso, de acordo com eles, a partir do momento que eles aceitassem isso dentro de casa eles estariam indo contra os princípios deles e acabariam sendo hipócritas.


Esse comportamento aconteceu dessa forma por meus pais serem muito influentes dentro da igreja. Eles são empresários reconhecidos, e era assim que todo mundo os conhecia: como pessoas importantes, religiosas, com um ótimo padrão de vida e com a família perfeita, tradicional brasileira. Existia uma imagem à frente de tudo, e eu trazer a minha realidade sexual para dentro de nossa casa, mudaria isso.


Uma parte dos meus amigos me acolheram, me aceitaram, me respeitaram e cuidaram muito de mim, foi um cuidado surreal, de amor, de família mesmo. Mas também teve aquela outra parte dos meus “amigos’ que não me aceitaram. E essa maioria que se afastou era constituída, principalmente, por amigos que eram da igreja ou desse meio religioso, desse local de convívio. Eles se afastaram, mas não só porque eles queriam, eu também queria me afastar deles, então foi um processo necessário.


Nunca fui muito agredido no aspecto do preconceito. Nada nunca foi muito agressivo ou muito direto. Uma vez ou outra eu percebia os olhares, mas veja que eu disse “acontecia”, porque eu percebia mesmo lá em 2016, quando me assumi, hoje a gente está em outro mundo.


Eu acho que o único preconceito que eu sofri mesmo, assim, bem direto, foi de uma “amiga” minha que era muito religiosa e ela teve argumentos horrorosos com relação a mim. Ela falou coisas do tipo: que eu não poderia nunca mais pisar na igreja, porque eu era um pecado ambulante; que o que eu estava fazendo era errado, era vergonhoso; que Deus tinha vergonha de mim. Hoje em dia não consigo me lembrar de outro episódio, e acho que seja porque atualmente convivo com pessoas que possuem um certo tipo de conhecimento, o que acaba fazendo com que elas entendam que a vida de cada um só diz respeito a este cada um, e ninguém tem que interferir em nada.


Quando eu entrei na faculdade, no ano passado, eu já era uma pessoa completamente diferente Uma coisa que eu aprendi, e que a minha mãe me ensinou desde criança, é que “se você é uma pessoa extremamente confiante, ninguém nunca vai te desrespeitar, porque elas vão perceber a sua confiança”. E por isso eu nunca tive medo. No primeiro dia de aula eu já cheguei na faculdade com uma bolsa da Michael Kors gigante e falei “quero ver quem vai falar alguma coisa, porque eu cheguei entendeu”, sou uma pessoa muito confiante e nunca tive medo de não ser aceito por ser gay, quem não me aceitar só vai estar perdendo um grande amigo.

E ainda falando sobre exclusão nas aulas ou em algum grupo, na faculdade isso nunca aconteceu. Já no ensino fundamental 1 e 2 eu sofri sim, bastante bullying por parte das criancinhas. Eles usavam sempre aqueles termos “boiolinha”, “viadinho”, porque eu sempre tive a voz mais fina e porque eu era totalmente fora do padrão heteronormativo. Então passei muito por isso, eu era bem excluidinho na minha época de criança, não tinha muitos amiguinhos, mas graças a deus isso mudou porque hoje eu sou um ícone.


Uma coisa que eu não tenho medo é de me expor, nas minhas redes sociais, por exemplo, principalmente depois que eu virei modelo, tinha a questão da passarela, sempre ser fotografado, então ter minha vida privada nunca foi uma opção e nem um desejo meu. Então a minha vida é bem aberta, todos sabem o que eu sou, meu instagram tem desde os ex-amigos da igreja até os amigos atuais, família, tudo evolvido, então nunca me privei.


Com relação ao trabalho, a gente vê muitos LGBTs com medo da exposição de sua sexualidade atrapalhar suas carreiras, principalmente porque nós, que somos minoria, sempre temos que fazer coisas a mais para provar que somos capazes, que somos boas pessoas, responsáveis, que não somos vagabundos, e tudo mais, e eu aprendi isso muito cedo, muito cedo, tanto que quando eu comecei a estudar, comecei a fazer mil e uma coisas pra sempre ser o melhor, porque eu sabia que se eu estivesse em segundo lugar eu já seria questionado ou culpado por conta da minha orientação.


Então no caso, futuramente falando, onde eu vou ser médico e psicólogo, eu acredito que não afete porque eu tenho um lado profissional e uma ética profissional muito forte e muito notável, as pessoas vão ver e não vão poder questionar.


Ainda sobre as redes sociais, teve uma vez que fui extremamente atacado. Quando eu era criança/adolescente, nós estávamos no meio de um grupo online de amigos e tinham aqueles intolerantes que acabavam falando algumas coisas. Uma vez aconteceu uma determinada situação, que resultou em discussão e explodiu de comentários preconceituosos referentes a minha condição. Eu me senti péssimo, porque eu tinha acabado de me assumir, tinha acabado de começar a caminhar nisso tudo e fui bombardeado com tantas coisas ruins, foi a primeira vez que eu percebi que esse mundo não é feito para nós LGBT. Eu me defendi, não fiquei calado, mas não fiz mais nada além disso.


Eu já me posicionei várias vezes sobre as questões LGBTs nas redes sociais e na internet em geral, mas eu sempre procuro me posicionar de uma maneira não tão extremista. Eu sempre posto notícias, ou compartilho algum episódio de preconceito (quando ocorre), a fim de mostrar para as pessoas que isso existe, que é uma verdade e que acontece debaixo do nosso nariz, não adianta fazermos vista grossa. Então de alguma maneira eu sempre tento postar alguma coisa com relação a isso, principalmente agora com o governo que a gente está, onde o índice de violência e preconceito explodiu.


O meu estilo de posicionamento é esse, na maioria das vezes eu vejo as pessoas postando com extremismo, como que se de alguma maneira elas quisessem que as pessoas engolissem a verdade delas. Eu trato a informação como ela é, um processo, uma construção, algo que está se normalizando agora. Nós temos que ser aquelas pessoas que chega na bolhinha de quem tem preconceito, porque eles vivem dentro de uma bolha, e aí fazermos um pequeno furo, uma fresta. Você entra pela frestinha e parte para o diálogo, porque é a conversa e o diálogo que muda o mundo. Se agimos de uma forma extremista quer dizer que somos intolerantes com aquela pessoa, e aí não tem espaço para conversa.


Como acadêmico de psicologia e analisando o preconceito, eu concluo que tudo é muito relativo ao indivíduo. Existem aquelas pessoas que vão ficar traumatizadas para o resto da vida e isso vai gerar vários transtornos, crise de pânico, ansiedade, bipolaridade, toc, e problemas que vão desenvolvendo a partir de um trauma, ou algo que a pessoa carrega ao longo da vida sem nenhum tipo de exteriorização.


Mas também existem aquelas pessoas que pegam essas situações e transformam em força. No meu caso foi isso que aconteceu, porque hoje eu sou uma pessoa extremamente confiante, eu sei o que eu sou, eu sei o que eu quero, eu não estou pedindo permissão para ninguém para ser o que eu quero ser, e ponto final. A partir do momento que eu faço isso, que eu me coloco dessa forma, as pessoas me notam. Elas me notam e não têm coragem de serem preconceituosas comigo. Elas me olham e falam “puta que pariu, que confiança, que beleza, que elegância”.


Mas igual eu falei, é algo relativo. Toda dor, todo preconceito, tudo aquilo que negam à gente de maneira intensa, por exemplo, as pessoas que passam por traumas como, ser expulso de casa, não ter com quem conversar, não ter um amigo, ser reprimido ao ponto de se negar por muitos anos por conta dessa condição e tradição, vão possuir uma alta probabilidade de desenvolverem inúmeros problemas psicológicos que, no futuro, vão se tornar sintomáticos e vão se transformar em uma esfera, um ciclo interminável.


Então a dica que eu dou, que para mim é o início da resolução de todos esses problemas é que você se aceite e saiba quem você é. Amar o que você é e se reconheça como indivíduo no mundo. A destruição vem de dentro para fora, se auto conhecendo, se auto respeitando e se amando você evita essa destruição, porque quando entendemos quem nós somos, ninguém mais poderá determinar o que devemos ser.



Comentário da escritora: ahhh meu menino Henrique, que orgulho eu tenho de você. Eu usei e abusei da sua história, fiz matéria com citação, fiz o seu artigo narrativo, fiz podcast, porque você com essa beleza surreal externa e, principalmente, interna, construiu não só uma história de superação, mas também inspiradora. Uma vez, recentemente, você me disse que eu sou sua inspiração, mas queria te dizer que é exatamente ao contrário. Nós repórteres, jornalistas, contadores de histórias, vamos sempre precisar dos ícones para serem nossas inspirações, sua história me motivou de uma forma, que toda vez que eu me cansava de sentar, escrever, escrever e escrever, eu ouvia seu podcast e absorvia seu exemplo, para ter disposição de continuar e levar histórias como a sua, para aqueles que também precisam se inspirar. Amo você criatura LINDA! Estou com saudades.


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