"Quanto mais você se negar, mais tempo você vai demorar para ser feliz"
- Daiane Guimarães Cruvinel
- 27 de nov. de 2020
- 9 min de leitura
Meu nome é Luiz Henrique Lima, tenho 31 anos, sou cabeleireiro, empresário e gay.

Já tem 10 anos que eu assumi que sou gay, mesmo sabendo desde sempre que eu era. Mas por ser filho de pastor, filho de policial e de uma família muito conservadora eu não queria aceita aquilo. E então durante alguns anos eu fui hétero, eu me casei, tive uma filha, a Maria Eduarda, e depois de um tempo e consegui me libertar.
Me assumir foi um processo lento, porque u morava em uma cidade do interior, em Acreúna, e lá não tinha gay, lá era assim: ou você era homem ou você era travesti, e eu não queria fazer parte dessa classe, porque eu não sou travesti, sou gay. Então não via nenhum semelhante meu conseguindo ser feliz, e optei por me fingir de hétero.
Quando eu me mudei pra Rio Verde, há 11 anos atrás, as coisas mudaram. Eu comecei a ver que os gays também eram felizes, e isso era o que eu mais queria: ser feliz como gay. Foi quando eu resolvi largar da minha ex-mulher e viver essa experiência.
O meu irmão mais novo também é gay e no começo, quando a gente era criança, ele era muito afeminado, meu pai batia muito nele, brigava muito com ele e falava pra ele virar homem, pra ele andar direito, se vestir direito e eu via aquilo e pensava “gente eu não quero ser isso”. Eu já sabia que eu era gay e já sabia que ele era também, formiga conhece formiga né, mas eu tinha muito preconceito com o meu irmão, eu brigava muito com ele e falava “ou anda direito rapaz! ”, eu e meus amigos da escola, por total influência do meu pai e nossa infância foi mais ou menos assim.
Quando nos mudamos para Rio Verde (eu e minha esposa) ele veio morar comigo, a gente foi ficando mais amigo, fomos conversando, ele também não era assumido e a gente foi se entendendo. A minha ex ficava muito em Acreúna, que era a nossa antiga cidade e onde a mãe dela ainda morava, e essa distância abriu um espaço para eu ficar vendo como era o mundo gay. Eu trabalhava a alguns quilômetros da minha casa e eu via sempre aquele pessoal na rua, os gays na rua e pensava “nossa que legal, assim dá pra ser feliz também” e foi quando eu resolvi largar dela.
Depois de sete meses que eu estava solteiro, eu conheci um rapaz, e comecei a ficar com ele. Começamos a ficar em novembro, e em dezembro minha família começou a me pressionar muito pra saber com quem é que eu estava saindo, com quem que eu estava dormindo fora de casa, porque eu tinha terminado meu relacionamento com a minha ex-esposa e meus pais também tinham acabado de mudar pra rio verde, eu estava com 20 anos, e voltei a morar com eles.
Minha família então estava extremamente curiosa e me pressionando muito pra saber quem era. Mas eu não queria contar naquele momento, queria esperar passar o natal para contar, mas eles não paravam de pressionar.
Nesse ano o Natal foi em Montividiu, uma cidade próxima de Rio Verde, a minha família toda estava lá, meu irmão foi também, e eu avisei meu namorado “olha eu estou indo, mas posso te ligar a qualquer momento pra você ir me buscar, porque se eles pressionarem demais talvez eu conte hoje” e ele disse que era só eu ligar que ele ia. Enfim, fui.
Quando cheguei lá, como era esperado, começaram os comentários. Meu tio tinha visto eu com o meu namorado, ele não sabia que a gente namorava, só viu nós dois juntos no carro. Mas isso bastou para ele comentar com o meu pai que ele podia ficar despreocupado porque avô ele não seria mais, induzindo que agora eu era gay e que não teria mais filhos.
Aí eu estressei, falei que ia embora. Todo mundo falou para eu não ir, mas eu estava decidido, e avisei que iria embora sim e que estava ligando para uma pessoa ir me buscar. Como são só 50km de Rio Verde até Montividiu, ele disse que rapidinho chegava lá, liguei e ele informou que já estava a caminho.
Nesse intervalo, de trinta a quarenta minutos antes de ele chegar, eles começaram a me pressionar ainda mais para saber quem era que essa pessoa que estava indo me buscar, literalmente a família inteira. Minha mãe pressionava falando: “meu filho me conta quem é essa pessoa, pode me contar”. Foi então que eu estressei e perguntei “A senhora quer saber? Quer saber mesmo? ”, e ela confirmou que sim.
Eu ainda tentei de novo: “Mas mãe eu não queria te contar agora, deixa para eu contar no mês que vem, depois que virar o ano, fica melhor”, e ela respondeu “Não, pode me contar agora”.
E então, eu contei: “Não é uma mulher, é um homem, e daí? Agora vai fazer o que? Ah e outra coisa, seu outro filho também é gay.”
Contei que nós dois somos gays e minha mãe quase morreu. Ela falava “Ai eu vou morrer”, e eu falava “não, a senhora não vai morrer, ninguém morre porque um filho é gay, ninguém”. E ela falava “Ah que eu preferia que vocês morressem” e eu respondia “Não eu não morri, melhor agora, porque só agora eu vou viver”.
O meu irmão só falava que eu tinha acabado com a vida dele, e eu falei para ele “Deixa eu te contar um negócio aqui: é agora que você vai viver. A gente viveu 19 anos escondidos, então agora é hora de viver”.
E foi quando a gente, no caso eu, contei. Foi muito difícil no começo, porque, por meu pai ser policial e pastor, eu fui embora, contei pra família toda, deixei meu irmão lá na festa e vazei. O meu pai estava lá fora esse tempo todo, então ele não ouviu, mas depois minha mãe contou pra ele.
O meu irmão ficou pra trás e isso foi muito difícil pra ele. No dia seguinte o meu pai me chamou pra conversar e falava assim: “Ai meu filho, eu queria que você tivesse cuidado, não é assim, talvez você não seja essa coisa, isso é coisa do inimigo, do diabo, a igreja não aceita, você sabe que você vai pro inferno”, e eu nem era crente mais, já tinha uns seis meses. Aí eu respondi “Não! Chega! Deixa eu falar uma coisa para o senhor, eu não quero saber se eu vou pro inferno. Agora eu vou viver minha vida, já faz vinte anos que eu luto contra isso, que eu fico repetindo que não queria ser gay”, porque eu não queria ser gay, ninguém quer ser gay, é muito mais fácil ser hétero, mais fácil ir lá, beijar uma mulher, ninguém fica olhando. Agora beijar na boca de um homem na frente de qualquer pessoa é difícil, aí tem que ser homem mesmo, eu costumo falar que o homem que beija homem é muito mais homem que um hétero. Mas enfim, falei: “Olha pai, é isso mesmo que a gente é, não tem como mudar, eu tentei mudar desde os meus 10 anos de idade quando me entendi gay. Eu orava, jejuava, fazia campanha, então é uma coisa que não vai mudar, que não mudou durante esses 10 anos e que não vai mudar agora! ”.
Aí eu avisei ele e minha mãe que eu estava saindo de casa, fui morar com o meu namorado e deixei a bomba para o meu irmão, que ficou morando sozinho com eles. E ter ficado para trás foi muito difícil para ele, porque meu pai foi muito preconceituoso no começo. Ele se recusava a vestir, às vezes, uma mesma roupa que meu irmão tinha usado, de fazer minha mãe lavar as roupas do meu irmão, separadas das deles, de tomar água em copo separado, tudo muito complicado.
A Maria Eduarda, minha filha, tinha três anos quando eu contei para a minha família. Mas eu nunca contei pra Maria Eduarda. Ela que contou pra si mesma. Eu morava com esse rapaz e ela morava com a mãe dela. Quando eu larguei da minha ex, ela tinha dois anos. Aí ela morou com a mãe dela até os 4 anos, mas entre esses dois anos ela vinha pra Rio Verde para ficar lá em casa, nas férias e tudo mais. Nesse período ela foi percebendo. Ela sempre foi muito esperta.
Um dia nós estávamos no salão do meu namorado e a Maria Eduarda, com 3 anos, estava conversando com as clientes. Elas começaram a perguntar sobre Acreúna, se ela gostava de morar com a mãe dela, se a mãe dela namorava. E ela foi respondendo, que preferia morar comigo, que a mãe dela namorava, e uma cliente caiu na bobeira de perguntar sobre mim, se eu namorava. E ela respondeu: “meu pai namora com meu tio”. Eu falei na hora que não, eu não namorava, mas ela insistiu “namora sim, já sei que namora, não tem problema não, você vai continuar sendo meu pai”, com três anos de idade.
Foi muito difícil esconder a minha sexualidade e ter me casado, foi muito difícil, porque não foi uma coisa natural. Não é que eu não gostava, se você me disser “Luiz fica com uma mulher hoje” eu posso até ficar, mas eu não quero, vai ser sem querer, eu não gosto disso, não gosto de mulher, então para que que eu vou ficar com uma mulher?
Mas eu fiquei com a mãe da minha filha por 5 anos. Eu gostava dela, foi a única mulher que eu amei, mas é diferente, passou. É tão difícil esconder que é gay. É muito ruim você ser e esconder isso, porque a gente nunca sabe como vai ser o dia de amanhã. Você não sabe se amanhã você vai estar bem ou não, porque fica um conflito dentro de você.
Eu nunca passei por nenhum episódio de preconceito na rua, ou em festas, ou na internet, só na escola da Maria Eduarda, mas eu nem precisei resolver, ela mesma resolveu. Quando ela veio morar comigo ela tinha 4 anos, ela sentia muita falta de mim porque nós éramos muito ligados, e então ela veio morar comigo. Com 5 anos ela foi para escola, e lá começaram os conflitos. Os coleguinhas as vezes faziam piadinha porque ela tem o pai gay, na primeira série, e ela brigava “Tá bom, e aí? O que é que tem? ”. Eu nunca fui de me expor, não gosto de ficar beijando na frente de ninguém, apesar de todo mundo na cidade saber que eu sou gay, eu nunca fui de me expor, então não sofri preconceito, só mesmo esse episódio na escola.
Eu sou um gay mais reservado, sempre mudei meu comportamento para me encaixar nos lugares e não ficar chamando tanta atenção. Há exceções, por exemplo, em uma festa que é o meu público, uma festa LGBT, eu me solto mais, mas em uma festa hétero aí já é diferente.
Hoje em dia o meu relacionamento com a minha família está ótimo, mil maravilhas. Eles finalmente entenderam que ser gay não é uma opção. Por mais que meu pai ainda seja pastor e hoje seja policial aposentado, ele conseguiu entender que eu não vou deixar de ser filho dele por ser gay. Vou continuar sendo filho dele e vou continuar sendo gay, ou ele aceitava, ou não me aceitava. E quando a gente assumiu lá atrás, foi complicado porque ele não aceitou, eu fiquei 5 anos sem ir na casa da minha mãe, ela ia me visitar, mas eu disse pra ele que eu só iria na casa dele quando ele fosse na minha casa, e aí eu voltaria a ir na dele com o meu namorado.
Foi então que, de um dia para o outro, ele me ligou e falou: “Olha filho estou indo almoçar na sua casa”. Isso já faz uns 5 anos, então a gente ficou seis anos mantendo pouquíssimo contato. Mas enfim ele veio na minha casa almoçar. Nesse dia eu quase morri do coração, pensei que ele estava morrendo, mas como já fazem cinco anos e ele não morreu, acho que realmente era a hora que ele escolheu aceitar. A partir desse dia ele nos deu liberdade, então hoje eu e meu irmão frequentamos a casa dele com nossos namorados e está tudo certo.
Enfim, eu acho que o LGBT precisa seguir o que ele é. Não adianta a gente se esconder, se é travesti, seja travesti, se é gay, seja gay. Não tenha preconceito com si próprio. Para as pessoas que se retremi, eu digo que não vai resolver nada. De uma hora para outra você vai querer ser feliz.
Hoje eu frequento uma igreja que me aceita, que aceita meu namorado, somos evangélicos e hoje frequentamos uma instituição que, para eles, se ser gay for um pecado, falar mal da vida do outro é também, e nem por isso seremos excluídos. Então eu falo que quanto mais você se negar, mais tempo você vai demorar para ser feliz, e eu digo isso por experiência própria, porque eu demorei me assumir e quando fiz isso eu me tornei uma pessoa feliz, e sou feliz assim, até hoje, exatamente do jeito que eu sou.
Comentário da escritora: eu me emocionei com a sua história desde o dia que me contaram sobre ela, e foi aí também que eu decidi que precisava ter você nesse projeto. Eu te agradeço DEMAIS por espalhar tanta felicidade por onde você passa. Foi uma honra poder contar a sua história, poder mostrar elas pras pessoas, a fim de que elas usem você como uma inspiração, porque é exatamente isso que você é! Prometo que um dia eu deixo você me transformar em loira kkkkk mas por enquanto, só estou extremamente grata pela sua existência e pelo seu carinho e zelo em me levar pra dentro do seu mundo.
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